Me pego lembrando de Moçambique como quem lembra de um sonho bom. Agora tudo virou aprendizado e sinto uma saudade tranquila, daquelas que só as coisas boas vem em mente. Das experiências mais gratificantes que tive, lecionar foi talvez a principal. Sim, humildemente e com todo o respeito aos mestres, pude experimentar ser professora, aliás, “Doutora”, como eles se referem aos professores universitários. 😉
Diferente do Brasil, onde há universidades como há padarias, em Moçambique senti que o ensino superior nacional ainda é pouco explorado e valorizado. Conheci muitos moçambicanos que foram estudar no exterior, e os destinos mais comuns eram: Portugal, Brasil e África do Sul. Falta de incentivo, investimento, estrutura, entre outros, são itens que prejudicam a continuidade dos estudos por lá.
Formada em Comunicação Social – Jornalismo, me abri para uma nova experiência quando um convite inesperado surgiu: dar aulas para a turma do último semestre de Ciências da Comunicação do ISCTEM, o Instituto Superior de Ciências e Tecnologia de Moçambique. A princípio me assustei, afinal sou apenas graduada mas entendi que lugares como Moçambique precisam de gente com vontade, não só com diversos diplomas, e encarei o desafio.
A cadeira (é assim que eles chamam “matéria” lá) era Estratégia Avançada em Branding, puro Marketing, mas meus 2 primeiros anos de comunicação me deram a base que os alunos precisavam. Tive que ler livros, pesquisar muito, ver referências e vídeos para levar à sala de aula mais que um simples discurso. Meus alunos moçambicanos fizeram meu cérebro desenferrujar! 😀
Ah… os alunos! Olha, foi um pequeno desafio convencê-los de que liberdade era diferente de zona. Chegavam na hora que queriam, faziam as tarefas que queriam, até que a pequena aqui chegou dizendo: “A gente vai se divertir e aprender muito, mas do meu jeito”. Rsrsr… Comecei a ensinar muito mais do que estratégia de marcas, entendi que ali meu papel era prepara-los para a vida: comportamento, jeito de falar, escrever, pontualidade, etc. Eles precisavam de atenção em uns passos antes.
Concluí que isso é fruto de aulas babacas, professores que entram, abrem um livro, começam a ditar e ponto. Resolvi fazer diferente. Graças a Deus, na faculdade na qual dei aulas, havia uma certa infraestrutura, tinha um projetor na sala, por exemplo. Eu inseria vídeos, músicas, aulas em Power Point com ilustrações, lembretes, dicas. Levei revistas e jornais, nacionais e estrangeiros, para análise e por aí foi. Até na disposição das cadeiras eu mexi quando fizemos um debate, coisas simples, banais para quem teve a oportunidade de conhecer professores bacanas, mas pra eles eu senti que fez diferença.
A dificuldade de aprendizado era nítida, a maioria morava muito longe, eles eram de origem simples, trabalhavam e estavam ali cansados. Considere o agravante de que não há transporte público decente, que os salários são baixíssimos e que o ensino fundamental e médio são precários, mas isso renderá outro post. Entre uma dificuldade e outra, aos poucos fomos nos alinhando. Fui sentindo os alunos mais interessados, presentes e com vontade de interagir. Fiz questão de mandar todas as aulas por e-mail e assim criamos outro espaço de estudo, fora das dependências da faculdade. Muitos não tinham computador e internet em casa, mas havia um laboratório de informática à disposição dos alunos e os cafés (como eles chamam as lan houses) não são tão caros por lá.
Eu dei sorte. Toda essa infraestrutura não é regra, minha amiga Renata Moraes que o diga! Essa jornalista baiana também passou uns tempos em Maputo e lecionou na Faculdade de Jornalismo de lá… era lousa de giz e carteiras em péssimo estado. Mas, como eu disse, gente como ela fazia a diferença porque tinha vontade. Ela levava os alunos para atividades fora, incentivava debates e aplicava provas de verdade, serviu de inspiração pra mim! 😉
Apesar das dificuldades, eles estavam lá, não é fácil se formar com um quadro tão desfavorável, então, deixo aqui resgistrado meus parabéns como professora coruja! 🙂 O mais gratificante foi aplicar o exame de fim de semestre que eu mesma elaborei. Eles absorveram muito do que passei e mostraram isso no papel! Um deslize ali, outro aqui, mas ok, faz parte! Até hoje tenho contato com eles, de vez em quando mando um e-mail perguntando como estão, se já se inseriram no mercado de trabalho e tal, as respostas vem sempre cheias de carinho tipo essa que recebi depois de divulgar as notas dos testes:
“Boa noite !
Hummm que bom saber que há só boas notas na turma!
Em nome da turma agradeço pelas aulas foram optimas, muito produtivas e superaram as nossas expectactivas!
É uma pena que tenhamos terminada já as aulas,
Gostamos muito de ter ficado esse tempo ao nosso lado!
Passe bem e continue sendo essa pessoa e professora atenciosa; carinhosa; e acima de tudo com conhecimento e vontade de transmití-lo !
Bjx”
Da aluna Aissa Madaugy.
Kanimambo, Queridos alunos! Vocês nem sabem, mas quem aprendeu mesmo fui eu! Vocês são professores de vida! 😉
Sâmela Silva, direto de São Paulo, Brasil, mas morta de saudade de Maputo, Moçambique.
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